23 de out. de 2024

Humanos deveriam ter que fazer fila para ter um cachorro

Na semana retrasada, a protetora de animais Cris Cerqueira, que cuida sozinha de um abrigo de cães com 40 albergados em Vila Velha/ES, encontrou um cão ainda filhote, desfalecido atrás de uma árvore, com buracos de larvas, queimado de óleo, sem pelos. Seu pequeno corpo punido por uma sociedade que trata animais como coisas, sem políticas públicas coerentes para eles, a mercê de um capitalismo que permite a comercialização de corpos sem responsabilidade por aqueles corpos que se tornarão excedentes e indesejados.

Eu ajudo esse abrigo e há muito tempo paramos de resgatar por falta de apoio e por questões logísticas. Mas em casos como esse não há como fechar os olhos. O pequeno Juninho foi cuidado, recebeu transfusão de sangue mas acabou morrendo, porque na verdade chegou até a gente já tendo passado da linha do recuperável. Morreu cercado de cuidados. Mas morreu e não viveu a vida a que tinha direito.

Num mundo onde crianças estão sendo alvos de atiradores de elite israelenses em Gaza e ainda assim muitas pessoas ainda justificam as ações do projeto colonial fascista, há pouca esperança de que a vida seja tratada com respeito, seja de pessoas escolhidas como sacrificáveis, seja de animais que são universalmente tratados como inferiores. Há dias que me pergunto se a humanidade tem alguma redenção ou se sempre foi assim mas agora ficou mais claro e visível. O volume da crueldade com certeza aumentou junto com o volume humano no planeta.

Os cães têm um lugar especial na vida humana. Todos os animais são preciosos e merecem viver em liberdade. Os cães, por terem sido domesticados, não têm essa opção. Eles precisam da gente e nós devemos isso a eles. Os gatos tem uma situação parecida e eu diria que apenas esses dois animais de fato se beneficiam do convívio humano. Os outros querem mais é distância de nós e ficar escondidos em seus habitats, ou os poucos que sobraram para eles.

Junto com a sociedade de consumo, a quantidade de cães aumentou no mundo. O Brasil tem uma população de cães na rua que chega aos 30 milhões. Isso torna suas vidas triviais e baratas. Um animal tão especial e puro quanto o cão deveria ser uma companhia disputada por aqueles que têm o entendimento do privilégio que é desfrutar da sua presença no lar. A população de cães precisa ser reduzida humanamente, através da castração e proibição da reprodução, de modo que o cão seja alçado a uma posição onde humanos fazem fila para adotar um. 

As pessoas não tem direito a ter animais. Elas precisam ganhar esse direito, através da comprovação de sua postura ética, do seu afeto por esses seres que passam pelo mundo como estandartes da sensibilidade, beleza, graciosidade, pureza e alegria. Esses tesouros da família terráquea têm que ser reconduzidos para sua posição na mais alta hierarquia da sociedade. E não quero dizer hierarquia de poder e dinheiro, mas sim a hierarquia daqueles que sabem dar e receber amor, daqueles que reconhecem o que é a nobreza de espírito e o que é essencial nessa breve existência humana.

Descanse em paz, Juninho.


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