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Donald Watson, pioneiro vegano |
O debate em que eu percebi que era necessário me manifestar foi um no qual uma pessoa no Facebook se dizia triste e indignada com o fato de alguns veganos, segundo sua percepção, não se importarem se seres humanos são mortos etc. Sua fala sugeria que veganos supostamente ‘reacionários’ não são veganos de verdade. Aqui obviamente temos um exemplo de debate de rede social, onde as pessoas se sentem a vontade para fazer generalizações sem se importar com exemplos concretos e nuance e, desta forma, impressões se espalham como fatos.
Apesar de provavelmente concordar com essa pessoa em questões de direitos humanos, eu tenho que discordar que o veganismo de qualquer pessoa é afetado por sua opinião sobre questões humanas. O ser humano é cheio de paradoxos. Quantos ativistas nas muitas áreas de direitos humanos comem carne e acham que animais não merecem consideração? Provavelmente a maioria. E no entanto, esses mesmos veganos, que se chocam tanto com o que outros veganos supostamente pensam sobre questões não-veganas, não parecem ficar tão indignados com o especismo de outros ativistas. Se todas as lutas são as mesmas, então todos os preconceitos deveriam também ser igualmente repugnantes.
Mas isso não acontece, ou pelo menos eu nunca encontrei um exemplo de crítica vinda de veganos-juízes direcionadas a outros grupos por serem reacionários em relação aos animais não humanos. E aqui eu postulo que essa indignação seletiva é fruto do especismo internalizado de muitos veganos. O especismo é uma lente de distorção moral que muitos veganos simplesmente não conseguem remover. Talvez sintam uma necessidade de justificar seu veganismo colocando o animal humano em um lugar de destaque - e acima - dos outros animais.
Durante a mesma conversa, uma outra pessoa disse: “Mas os seres humanos também são animais,” implicitamente sugerindo que, diante desse fato irrefutável, os seres humanos são objetos de interesse do veganismo em si. Todos sabemos que os seres humanos são animais, mas a maioria dos seres humanos, inclusive os que lutam por direitos humanos, não reconhecem esse fato e, na verdade, se sentem ofendidos se forem comparados com animais. Além disso, o fato de compartilharmos animalidade com os não-humanos não resolve em nada a sua situação; se assim o fosse, o veganismo não seria necessário. A questão não é que somos todos animais, mas sim que os animais não-humanos não são tratados como pessoas. O foco do veganismo não é a esfera biológica, mas sim a ética, a política e a cultural. Nessas arenas, um golfo enorme se abre entre os humanos e os não- humanos, golfo esse cavado e mantido pela nossa herança antropocêntrica e especista. Dizer que os seres humanos são também animais para os incluir no veganismo revela uma confusão disciplinar e ignorância da ontologia vegana, além também uma certa dose de desonestidade intelectual.

Toda essa discussão me faz concluir que muitas pessoas estão se ocupando mais do comportamento de outros veganos do que na libertação animal em si. Mais uma vez reitero: veganismo é sobre os direitos dos animais não-humanos e não sobre outros veganos. O veganismo é um movimento ético e não um movimento moralista. Não é uma religião ou culto que se ocupa de patrulhamento ideológico ou moral de seus membros. Diminuir o sofrimento animal causado pelo ser humano é uma tarefa gigantesca demais para perdermos tempo e desviarmos o foco.
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Isaac Bashevis Singer |
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