13 de nov. de 2008

Ensaio: orgulho carnívoro

O texto abaixo foi escrito por Joshua Katcher, o blogger do Discerning Brute, que se especializa em moda ética, comida, e de vez em quando publica ensaios sociológicos como esse abaixo que ele generosamente me autorizou a traduzir.

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Por toda a Internet tem aparecido websites dedicados ao chamado ‘orgulho carnívoro’, cujas mensagens vão desde desejos sem culpa estilo homem das cavernas a manifestos defensivos e arrogantes.

“O americano mediano consome 99.2 kg de carne por ano. Mas diante das preocupações com a vaca louca, práticas dúbias da indústria pecuária e vegetarianos moralistas, o estilo de vida carnívoro se tornou um tanto quanto déclassé. Agora, S. Gold lança um grito de guerra convocando as massas que adoram carne a se erguer, e reclamar seu orgulho.

“Essa então é a minha convocação à batalha. Eu tenho certeza que existe um exército de carnívoros por aí como eu, pronto e esperando que alguém venha empunhando alta a bandeira cor de sangue, destemido, em verdadeiro esplendor carnívoro.”

(Extraido de um blog de 'orgulho carnívoro')

Você sabe por que surgiram esses websites de orgulho carnívoro? Não porque comer carne tem uma legitimidade intrínseca, mas porque mudança e perda de identidade na parte daqueles que se consideram “carnívoros” é algo assustador e polarizante. Contra o que eles estão lutando exatamente? Colocado de maneira simples, eles estão resistindo ao desvelamento da verdade. Como no caso de todos os movimentos de justiça social, quando o aspecto econômico e a identidade daqueles que fazem de tudo para defender o status quo são desafiados, surge um instinto para defender suas posições de conforto. Algo no tom desses websites me diz que eles são feitos especificamente para chatear os vegetarianos.


Fonte: Purple.fr

Aqueles que comem carne frequentemente acusam os vegetarianos de se sentir ‘moralmente superiores’. Referem-se a nós como se estivéssemos seguros de nossa moralidade mais elevada, o que em outras palavras quer dizer que nós temos uma certeza infundada de que estamos certos. Eu não sei quantas vezes eu disse para essas pessoas que essa moralidade superior não tem nada a ver comigo. Na verdade, ela tem tudo a ver com o respeito por outros indivíduos, cujo desejo de viver, cujas tentativas de escapar e sinais inconfundíveis de sofrimento me colocam em uma posição de respeito por sua validade como indivíduos com inteligência, interesses, emoções complexas e comportamentos sociais coerentes com um sistema de ética maior.



Eat My Fear (Coma Meu Medo, David Lynch, 2000)

Incoerência (e uma defesa desafiadora dessas incoerências morais dentro de um contexto ético maior) é a marca dessas posições do orgulho carnívoro. Nós dizemos: “Se você não come o cachorro da família, então por que comer um porco?” Eles dizem, “Não há problema algum que eu seja incoerente moralmente porque a vida gira em torno de mim e meus desejos , não em torno dos interesses dos porcos ou até mesmo dos cães”, ou simplesmente, “porque o sabor é bom”.

O termo ‘carnívoro' é reservado para aqueles organismos que não consomem nada além de carne e órgãos crus. Os humanos são escarvadores oportunistas, desenhados fisiologicamente como onívoros que podem sobreviver e até mesmo se manter saudáveis comendo o que estiver disponível. Para um humano se chamar de carnívoro, ele quer dizer que ele não come quase nada vegetal, e que ele compartilha as características de outros carnívoros (trato intestinal curto, equipamento biológico para desmantelar órgãos animais crus). E se existem aqueles que conseguem subsistir totalmente de carne, órgãos e secreções, abençoado seja aquele que tiver que tolerar o cheiro de massa pútrida navegando por um trato intestinal demasiadamente longo para livrar-se dessa bagunça antes que ela se torne tóxica, e emita podridão por todos os poros, em toda gota de suor, sem falar no estado geral de saúde. A verdade é que, como onívoros, nós podemos escolher o que comer e aí reside a controvérsia.

Isso leva à pergunta: por que aspirar ao título de ‘carnívoro’? Isso é, em si, uma rejeição da identidade vegetariana e uma reação ao que eles percebem como superioridade moral. O orgulho emerge do consumo de carne como se a maioria dessas pessoas participasse da caça. Alguns deles caçam, mas a grande maioria dos comedores de carne nos Estados Unidos não caça. Na verdade, eles compram a carne dos mestres das ilusões, os supermercados que escondem o processo de matar dentro de pacotes perfeitos e limpos, e atrás de imagens de animais que querem ser comidos. Quanto mais próximo eles chegam da carcaça, mais eles sentem que de alguma forma eles participaram de um ato de orgulho ou tradição. Sem o contexto, isso é, logicamente, pornográfico, o mesmo que ser estimulado por uma imagem. Devorar uma galinha não faz ninguém mais caçador do que devorar pornografia faz alguém mais experiente em intercurso sexual.



Tudo isso tem mais a ver com a identidade de ser um ‘homem’ do que qualquer outra coisa. Como eu sublinhei recentemente em uma carta ao New York Times, a identidade limitada e sufocante do que constitui masculinidade está inseparavelmente ligada à obtenção e consumo de carne. Logo, abandonar a carne significa abandonar a própria masculinidade e orgulho.

O que está acontecendo hoje é que o processo e os efeitos do agronegócio e outros métodos cruéis de ver e tratar os animais como ‘unidades de produção’ e o resto do mundo não-humano como uma pilha de recursos para ser explorados e drenados, estão sendo expostos e monitorados. Sejam preocupações ambientais ou preocupações éticas, há sinais que os humanos estão saindo de um estado infantil de auto-gratificação que está causando a destruição de nossa única casa e a tortura dos únicos companheiros que conhecemos em todo o universo.

Embora fosse conveniente ter uma outra pessoa para fazer todo o trabalho duro sem pagamento, o processo e efeitos da escravidão na América foram expostos e rejeitados pela maioria. Não se iluda: o caminho até a igualdade nos últimos séculos encontrou resistência. Outros casos parecidos foram os movimentos pela igualdade da mulher, anti-semitismo e trabalho infantil. A sociedade não participou dessas normas sociais porque os indivíduos tinham menos caráter moral no passado do que agora; a participação acontecia porque elas reforçavam e mantinham um certo status, hierarquia, além do benefício econômico para aqueles que exploravam.




O surgimento desse super-orgulho carnívoro dentro de um contexto de uma cultura onde já predomina tal orgulho é evidência que a verdade e a realidade do que acontece com muitos animais explorados por sua carne e funções está sendo exposta. Eles estão na defensiva, e por uma boa razão: é difícil escapar da verdade.

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2 comentários:

g disse...

eu conheço uma pessoa assim... e infelizmente é muito difícil tentar argumentar qualquer coisa com ela.

e eu já percebi vários cutucões indiretamente feitos pra mim num textinho aqui, outro ali. a quantidade de vegetarianos hoje, assusta os carnívoros. eles nunca pararam pra pensar no que estavam fazendo de errado, né...

loboreporter disse...

O comportamento dessas pessoas é uma defesa contra a verdade transparente apresentada a elas. Seria interessante um estudo sociológico mais aprofundado sobre o tema.